Há 130 anos, no dia 13 de maio de 1888, a princesa Isabel assinou a Lei Áurea, que formalizou o fim da escravidão no Brasil, o último país das Américas a aboli-la. O Comitê Regional de Erradicação do Trabalho Escravo, Tráfico de Pessoas e Discriminação do TRT da 15ª Região propõe uma reflexão sobre esse marco histórico. O processo abolicionista brasileiro deu-se de forma gradual e controlada. Embora não pretendessem abrir mão de ser indenizados pela perda que a medida representaria, os grandes proprietários de escravos e latifundiários tinham medo de que acontecesse uma rebelião ao estilo da que gerou a Independência do Haiti ou uma Guerra Civil, como nos Estados Unidos.
Desde a vinda da Corte portuguesa para o Brasil, Dom João VI teve que aceitar vários tratados impostos pela Inglaterra que comprometiam o País com a libertação dos escravos, considerada essencial para o desenvolvimento do capitalismo europeu. Em 1831, por exemplo, no período regencial, declarou-se que toda pessoa escravizada que chegasse ao Brasil seria considerada livre. Mais tarde, com a consolidação do Segundo Reinado, uma série de leis foram sendo sancionadas para se pôr fim ao trabalho escravo de maneira lenta, entre elas a Lei Eusébio de Queirós, que proibia o tráfico negreiro da África para o Brasil, a Lei do Ventre Livre (1871), que estabeleceu a liberdade para os filhos de escravos que nascessem após essa data, e a Lei dos Sexagenários ou Lei Saraiva-Cotegipe (1885), que beneficiava os negros maiores de 60 anos.
Desigualdade e racismo
A Lei Áurea resolveu o problema da escravidão, mas não o da inclusão social dos negros à sociedade. Apesar de institucionalizar a libertação dos escravos, a legislação não foi acompanhada da criação de condições para que a população negra liberta pudesse ter um tipo de inserção mais digna. Com a lei, a elite econômica do País foi eximida da responsabilidade pela manutenção e segurança dos libertos, sem que o Estado, a Igreja ou qualquer outra instituição assumisse encargos especiais que os preparassem para o novo regime de organização da vida e do trabalho. Os fazendeiros, por sua vez, preferiram usar a mão de obra que chegava cada vez mais da Europa.
Por esse motivo, desde os anos 1980 o dia 13 de maio é considerado pelo movimento negro como um dia nacional de luta contra o racismo, em que se busca chamar a atenção da sociedade para o fato de que a abolição legal da escravidão não garantiu condições reais de participação na sociedade para a população negra, que permanece, até os dias de hoje, vítima do racismo e de desigualdade econômica e social.
O TRT-15 está engajado no combate à discriminação racial e a situação dos afrodescendentes, suas conquistas e direitos, reforçando a necessidade de avanços no que diz respeito, principalmente, à participação no mercado de trabalho. Em 30 de junho de 2015, assinou o Ato Regulamentar número 6/2015 que instituiu para negros reserva de 20% das vagas nos concursos públicos para servidores e juízes do trabalho substitutos no âmbito da 15ª Região. A criação das cotas para negros obedece, entre outros, ao disposto na Lei 12.288/2010, que dispõe sobre o Estatuto da Igualdade Racial, e na Lei 12.990/2014, a \”Lei de Cotas\”. Em 2016 firmou parceria com a Sociedade Afro-brasileira de Desenvolvimento Sociocultural (Afrobras), passando a estimular a adesão de empresas na chamada Iniciativa Empresarial voltada à Igualdade Racial, que destaca 10 ações afirmativas para a adoção de um modelo de inclusão social ao primeiro emprego dos afrodescendentes.
Por intermédio do Comitê Regional de Erradicação do Trabalho Escravo, Tráfico de Pessoas e Discriminação do TRT-15, instituído em 2014, a Corte tem atuado firmemente na elaboração de estudos e na proposição de ações voltadas ao enfrentamento da exploração de trabalhadores em condições análogas às de escravo ou de trabalho degradante, assim como o tráfico de pessoas e a discriminação. Entre outras atividades, o Comitê promove encontros e seminários, sobretudo com juízes do trabalho, buscando sensibilizar sobre a importância da identificação de situações de trabalho escravo ou tráfico de pessoas e discriminação, principalmente, com relação ao detalhamento de provas na instrução do processo trabalhista para que estas possam subsidiar também investigações e punições por outras esferas do Judiciário.
Escravidão contemporânea
Tantos anos depois da abolição formal da escravatura, em pleno século 21, o Brasil ainda convive com o trabalho análogo ao de escravo, a chamava escravidão contemporânea. Somente nos últimos 20 anos, foram resgatados mais de 50 mil trabalhadores submetidos a condições degradantes e a jornadas exaustivas em propriedades rurais e em empresas localizadas em centros urbanos, sobretudo no setor têxtil e na construção civil, segundo levantamento da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo, do Ministério do Trabalho.
O reconhecimento da gravidade do trabalho análogo à escravidão levou o governo brasileiro a intensificar o combate ao problema, com o estabelecimento de medidas estruturais como a criação do Grupo de Fiscalização Móvel e a adoção de punições administrativas e criminais a empresas e proprietários de terra flagrados cometendo esse crime. Foram estabelecidas também restrições econômicas a cadeias produtivas que desrespeitam o direito de ir e vir e submetem trabalhadores a condições de trabalho desumanas.
Contudo, segundo dados do próprio Ministério do Trabalho, o número de operações de fiscalização para a erradicação do trabalho escravo caiu 23,5% em 2017, em comparação com o ano anterior. Foram realizadas 88 operações em 175 estabelecimentos no ano passado, contra 115 em 2016. É a menor atuação das equipes de erradicação desde 2004, quando foram feitas 78 fiscalizações.
O número de trabalhadores resgatados também apresentou queda em 2017. Foram 341 pessoas encontradas em situação análoga à de escravos e retiradas das frentes de trabalho, número mais baixo desde 1998 (159 resgates). Em relação a 2016, a queda foi de 61,5%.
Considerando que o combate ao trabalho escravo é baseado em denúncias e fiscalizações, os números mais baixos não representam necessariamente uma menor incidência do crime no País. Segundo o próprio Ministério do Trabalho, as unidades regionais da pasta vêm sofrendo com cortes orçamentários nas atividades rotineiras de fiscalização, com evidentes consequências no combate a essa prática criminosa.
O Ministério também destaca que a dinâmica de exploração do trabalho tem mudado. Há alguns anos, era comum uma operação encontrar 300 ou 500 trabalhadores em um único estabelecimento. Hoje os maiores resgates giram em torno de 40 trabalhadores, o que é atribuído a contratos mais curtos, principalmente no meio rural, que dificultam a constatação da irregularidade conforme denunciado, tendo em vista o tempo de planejamento de uma operação do porte do grupo móvel. Segundo avaliação da Auditoria-Fiscal do Trabalho e dos órgãos parceiros na prevenção e combate ao trabalho escravo desde 1995, as formas de exploração atuais também se tornaram mais complexas, o que o tem demandado dos auditores uma atuação diferenciada.
Portaria do trabalho escravo
Em outubro de 2017, o governo brasileiro publicou uma portaria alterando os conceitos usados pelos fiscais para identificar o trabalho escravo, restringindo o crime para casos em que houvesse restrição de liberdade – ou seja, quando o trabalhador é impedido de deixar o trabalho porque tem uma dívida com o empregador, seus documentos estão retidos, não há transporte, entre outros motivos. De acordo com a portaria, portanto, os fiscais ficariam impedidos de realizar resgates em casos de condições degradantes e jornada exaustiva que não tivessem cerceamento de liberdade, por exemplo.
A repercussão negativa da medida foi imediata. Já em novembro, a ministra Rosa Weber, do STF, determinou a suspensão da portaria. Um novo texto foi publicado no final de dezembro mantendo válidas as regras em vigor há quase 15 anos no País.
Em janeiro de 2018, um levantamento feito pelo G1 mostrou que, de 1.122 trabalhadores resgatados nos últimos dois anos, apenas 153 (ou 14%) foram encontrados com restrição de liberdade. Isso significa que, se a portaria estivesse valendo neste período, 86% dos trabalhadores encontrados em condições degradantes não teriam sido resgatados.
A reportagem também demonstrou que, entre janeiro de 2016 e agosto de 2017, foram aplicadas 3.683 infrações nas fiscalizações. Levando em conta apenas as operações em que houve resgate, foram aplicadas, em média, 19 infrações em cada uma das visitas.
Entre as infrações, há desde aquelas relacionadas à falta de registro na carteira de trabalho e ao não recolhimento de FGTS, quanto as que colaboram diretamente na caracterização do trabalho escravo por condições degradantes, geralmente ligadas ao consumo de água, alojamentos e alimentação impróprios.
Confira o conteúdo da Lei Áurea na íntegra:
LEI N. 3353 – DE 13 DE MAIO DE 1888
Declara extincta a escravidão no Brazil.
A Princeza Imperial Regente, em Nome de Sua Magestade o Imperador o Senhor D. Pedro II, Faz saber a todos os subditos do Imperio que a Assembléa Geral decretou e Ella sanccionou a Lei seguinte:
Art. 1º É declarada extincta, desde a data desta Lei, a escravidão no Brazil.
Art. 2º Revogam-se as disposições em contrario.
Manda, portanto, a todas as autoridades, a quem o conhecimento e execução da referida Lei pertencer, que a cumpram, e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nella se contém.
O Secretario de Estado dos Negocios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas e interino dos Negocios Estrangeiros, Bacharel Rodrigo Augusto da Silva, do Conselho de Sua Magestade o Imperador, a faça imprimir, publicar e correr.
Dada no Palacio do Rio de Janeiro em 13 de Maio de 1888, 67º da Independencia e do Imperio.
PRINCEZA IMPERIAL REGENTE.